E isso muda tudo.

15 anos atrás, atendi um cliente que é neurologista.
Numa conversa, pedi referências de leitura para alguém que não estuda medicina aprender sobre o cérebro.
Ele sugeriu começar pelos livros do Oliver Sacks, e segui lendo referências bem legais que, em algum momento, vou postar aqui.

Numa dessas leituras, conheci o Dr. Russell Barkley, chamado de “pai do TDAH” — e com razão. É um dos maiores especialistas do mundo.

Foi com ele que ouvi, pela primeira vez, que o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) deveria se chamar Transtorno de Disfunção da Autorregulação.

TDAH deixou de ser sinônimo de distração.
Passei a compreender como uma profunda dificuldade de autorregulação.
E isso mudou completamente minha forma de enxergar meu filho.
E meus alunos.

Entendi que o TDAH é, no fundo, uma dificuldade em controlar os impulsos, em esperar, em planejar, em adiar a gratificação.
Em se autorregular.

E é assim que me comunico com meu filho:
“O seu cérebro funciona de maneira diferente. Vamos aprender juntos a criar estratégias que te ajudem no dia a dia.”


O que é autorregulação?

É a capacidade de observar, pensar, conter impulsos e tomar decisões mais adequadas.
Tudo isso exige maturidade neurológica, conexão emocional, segurança. E tempo.

No cérebro, a autorregulação envolve regiões como o córtex pré-frontal e estruturas ligadas à inibição e ao controle executivo.
As pesquisas mais recentes mostram que essas áreas continuam em desenvolvimento até a vida adulta.

Nesse ponto, um circo de pulgas se aloja atrás da minha orelha.

Se essa função ainda está em formação… faz sentido rotular as crianças tão cedo?

Talvez sua criança não tenha um transtorno — ela está precisando de estratégias de regulação — internas e externas.


O papel do adulto regulado

Toda criança vai “emprestar” nossa regulação por um tempo. Isso é esperado.

O bebê chora, o adulto acolhe.
A criança grita, o adulto modela.
O adolescente se afasta, o adulto se aproxima com calma.

Mas isso só é possível quando o adulto está minimamente regulado.

Pais exaustos, acelerados, emocionalmente instáveis, reativos — tudo isso dificulta (ou impede) o processo.

Por isso, antes de perguntar “o que meu filho tem?”, talvez a pergunta mais útil seja:
“Que tipo de suporte ele está recebendo de mim e do ambiente?”


A metáfora do violino desafinado

Ouvi, não lembro aonde (o autor que me desculpe), uma analogia muito legal:

O violino é um instrumento complexo, sensível, que reproduz a tensão do musicista.
As crianças são iguais. Reproduzem a tensão dos adultos com quem convivem.


O diagnóstico é uma chave, não uma sentença

O diagnóstico de TDAH, quando bem feito, pode ser um alívio.
Ele dá nome a uma série de dificuldades que antes pareciam culpa da criança, da família ou da escola.

Mas o diagnóstico não deve ser o ponto final — e sim o ponto de partida para uma relação mais compreensiva e ajustada com a criança.

E é por isso que gosto tanto da proposta do Barkley:
Se trocássemos o nome do transtorno por Transtorno de Disfunção da Autorregulação, talvez nosso olhar fosse menos punitivo e mais empático.

“If ADHD involves difficulties in these faculties and these are the human mental abilities that are involved in our regulating our own behavior, then logically ADHD ought to be a disorder of self-regulation.”
The Important Role of Executive Functioning and Self-Regulation in ADHD
Russell A. Barkley, Ph.D.


Finalizando: presença é o melhor remédio

Seu filho não precisa de um exército de especialistas corrigindo-o o tempo todo.
Ele precisa de adultos regulados, capazes de ajudá-lo a se regular.

O diagnóstico não é sentença. É uma chave.
E com essa chave, podemos abrir portas de cuidado, escuta e relação — em casa, na escola, no mundo.